quarta-feira, 30 de abril de 2008

Pelo tempo, em seu aspecto formal, astronômico, esta é uma noite de 3 de maio de 1986. A história, no entanto, sempre foi e sempre será um dinamismo complexo, sustentado por leis imutáveis. O objetivo da vida é a consciência progressiva de todas as formas da existência. A razão de todo existir é a perspectiva da consciência, seja um mineral, uma rosa, um partido político, uma civilização, uma estrela ou qualquer outro fato dentro ou não do nosso concebível. E nós? Em obediência às suas características, e de acordo com a lei do esforço, o Crato, como qualquer outra cidade, é um organismo coletivo com seu próprio processo de auto-superação. Pode existir, também um processo de estagnação, como produto anti-científico de uma sistemática aleatória. Até que ponto temos avançados numa psico-análise de nós mesmos? O que foi o Crato, ontem, está no subconsciente coletivo do Crato de hoje. A lógica assegura que tudo é uma continuidade. Em interação com essas experiências da cidade, em outros momentos ao longo da escala histórica; as recentes, oriundas do nosso atual consciente coletivo. Ressalte-se que a cidade também é percurtida pelo andamento da comunidade mundial, como célula da humanidade, e pelo comportamento do planeta em sua realidade físico-dinâmica, por indissociabilidade com a Terra. Amanhã, o Crato mesmo se auto-psicanalizará. E hoje, saberia responder por que os seus policiais são assim? É uma pergunta, e a resposta não pode ser simplória, dessas que se encontram à venda na turbulenta atmosfera do mundo contemporâneo. O Crato não tem sofrido, ultimamente, certos impactos, com os quais têm se defrontado e se defrontam várias cidades do Nordeste, como surtos de doenças e inudações. Há uma razão para o nosso não-desenvolvimento de solidariedade. Até que ponto não é um flagrante que questiona o nosso valor cultural? Até que ponto não traduz o nosso subdesenvolvimento numa prática essencial? A televisão, a todo instante, noticia mutirões por todo o país. E não nada gracioso reivindicar, por automático fruto de inércia, o zero no diagrama, multiracionalmente. Eis que é preciso levantar questões, sem violência, e com a compreensão abrir para o afeto das ondas de desenvolvimento, as praias de nossas lutas, sonho e trabalho. No mundo, a crise é generalizada, e, provalmente, beira o seu ponto crítico. A hora histórica vem falando, por todos os meios possíveis, a todas as comunidades para uma inadiável necessidade de transformação, sobretudo psicológicas. E, mesmo usando a linguagem dura das tragédias, acena para sermos mais espontâneos e harmonizados, a bem do nosso próprio futuro.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

complete aí

é bom pra nós
o sol
sua alegria
que ganha o dia
alô bom dia
e a rebeldia como é que está a estética?
vejo que você meu mundo
não está contente
e não é pelo sol poente
que nos deixa plangentes
é tão somente
pela falta de... complete aí
com o céu do cariri
essa pintura
brincando de colibri
apesar do frio e do fuyzil
creia na felicidade do anil

terça-feira, 22 de abril de 2008

deve estar sabendo o que faz
ou a energia sabe o que diz
o brasil cheio de cantos
nada senão o que somos
nada como o que seremos
syster deví
chão dos felizes

sábado, 19 de abril de 2008

Serpentes na Noite, memória de uma canção

Por Carlos Rafael

No início dos anos noventa, reunimo-nos no apartamento de Salatiel, para assistir o documentário “blues”, de Valter Salles Jr., transmitido pela Rede Manchete. O documentário trazia depoimentos e performances de velhos blueseiros norte-americanos, todos desconhecidos da mídia. Maravilhados e no clima do documentário, decidimos esticar a noite no restaurante Pau do Guarda, para beber e papear (Geraldo Urano bebeu Cola-Cola, sua bebida preferida). Aquele documentário mexeu profundamente com a gente, pois não conseguíamos sair do êxtase que se instaurou naquela noite.
Quando cheguei em casa, já no início da madrugada, escrevi uma letra inspirada naquele acontecimento. No dia seguinte, bem cedo, entreguei-a a Geraldo, que passou uma semana para devolver-me cantarolada (Geraldo a compôs sem auxílio de instrumento musical, mas somente com o coração, memorizando a melodia).
A música, anos depois, em 1994, foi classificada no histórico CHAMA (Chapada Musical do Araripe), que aconteceu no antigo aeroporto do Crato, em cima da Serra. Foi defendida, numa bela noite de lua cheia, pela banda Nacacunda (Eu, voz; Marcos Leonel, Luís Carlos Saraiva e Calazans Callou, guitarras, Igor Rocha, baixo; Cacheado, bateria e Antonio Carlos, percussão, com participação de Dihelson Mendonça, no teclado).
Apresentamos a música na noite que Hermeto Pascoal e grupo se apresentaram. Por conta disso, encontramos, nos camarins, Itiberê Zwarg, Carlos Malta e Márcio Bahia, respectivamente baixista, saxofonista e baterista do grupo de Hermeto, com os quais conversamos animadamente por alguns momentos. Lembro de Itiberê revelando que a profissão de músico lhe presenteava momentos como aquele, “num lugar bonito como esse, apreciando essa deliciosa bebida” (Itiberê bebericava uma dose de Xá-de-Flor, cachaça temperada feita pelo alquimista Blandino Lobo).
Por conta dessa agradável memória, transcrevo a letra da música, intitulada Serpentes na Noite (uma referência ao signo do zodíaco chinês, que eu, Geraldo e Salatiel temos em comum).

Baby, quero lhe dizer algo importante
Quando mais se cresce menor se fica
É o doce mistério da vida
E não há outra saída
Que não seja a porta dos fundos
Por onde você também pode entrar

Somos serpentes na noite
E isso é um tanto perigoso
É muito bom!
Já tomamos de tudo
Mas nada nos pegou
Se você quer me ver feliz
Toque um pouco de blues
Pinte a vida de azul

Sim, eu sou apenas um cantor de blues
Levando a vida num pagode
Mas sei que sou um rapaz de sorte
E sei que a morte
É só o último acorde de um blues

sexta-feira, 18 de abril de 2008

' Viagem à Mauridérnia"-

By Socorro Moreira

"Já conheço os passos dessa estrada..."

Pois era lá que eu morava... justo nesta época! Os dois (Rafael e Geraldo) , foram bater lá em casa, numa hora que nem lembro... Pareciam descomprometidos com qualquer missão... Estavam ébrios de vida: música e poesia!
Acho que fecharam a conta no Hotel São Damião, e se aninharam , no meu alpendre, onde rede e ventos, acolhiam sonhos e gentes!
Os dois se intimidaram na minha presença... Disseram pouco... Não ouvi nenhuma loa, que expressasse o momento... mas, a vontade que senti foi de adotá-los... Pena, que já eram filhos das mães... Uma delas, uma prima queridíssima por mim: Erice! Eita que saudades de Erice! Era doce de poesia! Um café com creme - a bruxinha mais querida do mundo! Imagina, se eu ia perder a oportunidade de adoçar a boca de Geraldo? E o Rafael ganhou a sobra de toda minha querência। Por isso talvez, esse menino (Rafael)... que ainda é um menino, pois nunca achei que cresceu! Crescer é deixar de ser criança... Crescer é perder... a ingênua beleza da infância! E é por tudo isso que a relação estre nós... sempre foi assim, meio tribal! Índios da tribo Cariri... com direito a Pajé, a Tupã, a cacique, com todos os aparatos, cores, flechas, arcos e curare!

Corações marcados e tatuados com o veneno benígno da boa camaradagem

Parque Municipal, anos 90


Foto: Pachelly JamacaruPosted by Picasa

Parque Municipal como era antes. Terreiro de Geraldo Urano e de toda uma rapaziada guerreira. Fazedora de jornais. Amante das artes. Quanta saudade.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

corte de pedra das matas do sul
sangue do meu colibri
letra lata guarani

um copo perdido em refrigerante
de doce gramatical amargas ondas irrigantes
giram a roda gigante

passam os gaiteiros tocando o hollywood
na laringe do vento
o choro do meu manequim

doce égua pelos pampas a lua corria
quase que eu viro lobo outro dia
a cidade só tem uma banda

terça-feira, 15 de abril de 2008

Prefácio do livro O Belo e a Fera (cantigas) - 1989

O poeta chega ao dia em que desperta e tem a certeza de que nunca adormecera. Olha o Sol e inicia um caminho de alguns poucos passos para beber na fonte cuja água lhe molha os pés, enquanto no peito dói a ânsia de sobrevoar o Universo, sem pátria e muito menos pouso certo.

Uma manhã de junho. Na Serra, esperança afoita, donde trinam pássaros coloridos, nas flanelas das bananeiras. O gado pasta indiferente ao triturar das moendas dos engenhos em começo de moagem. E as águas descem gorgolejantes as lajes da Cascata.

Frio bom, brisa gostosa e a música do estio. Uma solidão cúmplice a falar de planos maiores em elaboração na mente de Deus. O homem e a espera, qual centauro que abrisse os olhos pela primeira vez. Vê o Vale que desce das encostas, indo repousar lá embaixo, nas cidades esdrúxulas; minuto que voam em farejo do novo que nasceu.

O Cariri traz, em Geraldo Lima Batista, a escrita da renovação, mais do que poesia, vigília e certeza, aviso de preparação do Futuro.

José Emerson Monteiro Lacerda

domingo, 13 de abril de 2008

(carta a Luiz Adão)

Crato, 26 de 08 de 1987.

Caro Amigo Luiz Adão.

O mundo parece não dançar com as danças do mundo. E as minhas pernas em verdade parecem de pau. Meu sono é o de uma velha árvore desfolhada, dessas que não viram pássaros nem sorriso em volta de crianças. Sim, o meu cigarro queima como as florestas do vietnã, embora os dias já tenham enganado o relógio. Meu nome Urano já não é uma rede que me tire das águas pantanosas e o fio dental apenas resseca a minha memória. Não sei que geração me arranha entre os arranha-céus do grande jogo da humanidade. Sinto-me sem afeto e o açúcar perdeu-se nos canaviais. Resta a folha da cana que me corta o estar desperto. E o ribombar incômodo da calmaria cotidiana. Meu pai chega com dois pacotes de tang, o dos astronaustas; da Cooperativa dos Bancários. Enquanto minha mãe lendo uma revista diz que São Cipriano ainda foi bispo. Viveu numa época de perseguição como a nossa. A fita da máquina ainda está boa, respondo a papai.

Com um abraço:

Geraldo Urano

quinta-feira, 10 de abril de 2008

a arte da certeza


laser lírico das íris contemporâneas
ninguém se cansa
uma gargalhada é um elixir
e a baby solidão
um caminho de fogo entre as geleiras
liberando imagens
com a arte da certeza
abismos só os marinhos
coloridos primos das alturas sãs
és a flor que na praça espelhas
os aviões em tons de seda
e a plástica das sereias
na dureza da razão dos vídeos

terça-feira, 8 de abril de 2008

quem deterá os oceanos?


o planeta amarelo está em brasa
são os vulcões que se espalham
se eu dissesse
as moças de saigon
caminham pela noite azul da ásia
estaria mentindo
a primavera agora é só verdade
quem deterá os oceanos?
ou impedirá os rigores do inverno?
e essas cidades
para onde querem ir?
que crescimento besta é esse?

domingo, 6 de abril de 2008

a arca do amor

garota da funabem
eu sou de tropicalu
eu estava na encetur
quando você passou
nuvem do sul
torcedor que sou
dos tons de azul
horas depois
sua imagem surgiu ao meu lado
em acordes nisseis
afinal este é um país
com graça e cultura
e eu vascainês
como me disseram na dinamarca
vem aí um filme com a terra
a arca de amor

sexta-feira, 4 de abril de 2008

recado

abra sua blusa para o sol
caia na piscina das novas idéias

e vênus pelo céu
brilha na nudez da madrugada

de la paz na bolívia
a cidade mais alta do mundo
estou mandando pelo trem do vento
um recado pra você

não se apavore
são os anos oitenta que estão pintando

___

Pelo tom cronológico, essa é do início dos anos de 1980.
Detalhe: no original, datilografado em uma folha pautada de caderno escolar pequeno, uma anotação feita em esferográfica azul pelo autor: (musicada).

Por quem?

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Comentário sobre comentário de Marcos Leonel

Marcos Leonel - poeta, músico e professor de literatura, além de ser um dos membros desta neotribo cariri, da qual Geraldo Urano é um dos pajés - tem todas as credenciais para expressar uma abalizada análise sobre a obra do poeta.

E ele o fez, sobre o poema "mulher de azul", postado neste blog:

Antes de qualquer coisa, vale ressaltar uma das dívidas pagas para com esse poeta, ele precisa ser lido por mais leitores, com novos olhares, e esse blog faz justiça à importância desse poeta. Embora a sua produção seja desigual, esse é sem dúvidas o poema mais genial, mais original e mais consistente de Geraldo Urano, poeta que mudou tanto de nome e tão pouco de estilo. Esse poema é para ficar para sempre.

Pois bem, não há como discordar de Marcos Leonel, pois ele tá repleto de razões:

1ª) Ele (Geraldo Urano) é credor de uma dívida: sua obra é pouca conhecida e precisa ser mais divulgada;

2ª) A produção poética de Geraldo é desigual, pois ele nunca se preocupou em editá-la, mas sim produzir ininterruptamente na sua fase de maior criatividade (ou possibilidade de criar), que foi, sem dúvida o período que vai de meados da década de 1970 a meados da década de 1980. Por isso, a sua precupação era muito mais de expressar sentimentos e imagens do que modelar idéias e valores estéticos;

3ª) Geraldo foi um poeta que mudou muito de nome e pouco de estilo, apesar de que nesse monocromatismo ou minimalismo literário ser possível perceber uma grande variação estilística;

4ª) E, por fim, esse poema comentado por Marcos é realmente duca... genial, sensacional, que veio para ficar, sempre.

Carlos Rafael

terça-feira, 1 de abril de 2008

restos de hollywood


a humanidade olhou
para a lua e pensou
que fosse comprimido

Essas florestas grisalhas
os policiais nas ruas

meu cinzeiro está cheio
dos restos de hollywood
pra deus está tudo claro
pro diabo está escuro