domingo, 19 de abril de 2009

Carta a Luiz Carlos Salatiel (I)




Caro amigo Luís,

Sabe? Estou cansado de pensar na morte. Mais vale comer sementes de girassol. Eu penso, às vezes: sou um sapo que engoliu uma estrela. Pois é, sou um poeta que não vive, e escreve tanto. Por quais motivos? Talvez esteja dando satisfação a mim mesmo da minha morte. Um dia, quando a primavera brotar no cotidiano, eu sorrirei novamente. O universo terá enxergado as minhas lágrimas. Quem é o jardineiro do céu? Por que a chuva não me molha? Tenho fugido como um pássaro perseguido, me escondido nas grutas do mundo. É noite e eu não sou um vagalume. Como você sabe, eu nunca trabalhei. Invejo as formigas. Tenho, como um escorpião, me alimentado de baratas.

O mercego é um bicho que me atrai muito. Tenho sido mais um castor, construindo na água. Sou uma águia, porém velha e cega. Não amadureço como as avelãs. Estou sempre verde. Que sabor as garotas acham que eu tenho. E o que é melhor: quando viveremos, afinal, numa civilização no fundo do mar!

Você ainda bebe vinho? Você se veste muito bem.

Não nasci para Dalai Lama. E não sou ator, embora, às vezes, me comporte como uma atriz.

Mais do que nunca é preciso gozar a vida. É pena que eu não possa mais beber cerveja. Outro dia, de madrugada, fui engolido por uma cobra. Quisera passar o dia dormindo. A noite é fascinante. Rapaz: ela apenas começou.

As crianças merecem tudo. Um dia brilharei como vênus.

Minha pulseira budista, meu disco de Bob Dylan. Como me interessa a América. Como ela é interessante.

Você é corajoso. Eu sou medroso. É por Deus que somos amigos.

Trago no coração as pérolas do oriente. Quem se esquece dos índios não merece viver.

Diabo! Por que sou assim? Meio livre, meio escravo?
Você tem razão, há uma grande festa. E você sabe: eu tenho perdido quase tudo. Um dia me lembrarei de viver.

Abraços do amigo Geraldo Urano.