quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Nada de novo, a canção

Geraldo Urano é autor de algumas camposições nas quais ele fez tanto a letra como a música. Uma delas é Nada de Novo, que o banda Fator RH interpretou em alguns shows no final da década de 1980. A banda, formada em Crato, a partir do que sobrou da banda Pombos Urbanos (eu, Marcos Loenel e Sergestes Tocantins), durou de 1988 a 1990, quando deu origem à banda Lerfa Mu. Dela também faziam parte Leonardo Leo, Calazans Callou e João Eymard.
Nada de Novo passou a fazer parte do repertório da banda por sugestão de Luiz Carlos Salatiel, que sempre gostou de cantá-la nas rodas de violão nas noitadas homéricas e mesmo em algumas apresentações que fazia nos eventos por nós promovidos, como o Salão de Outubro. A melodia, a despeito da simplicidade harmônica e dos poucos acordes, é belíssima, tal qual a poesia. Um verdadeiro hino da nossa geração. (Carlos Rafael)

nada de novo
pelos corações modernos
os mesmos urubus de sempre
e as velhas raposas do medo
e no mundo
ilusões ultra-modernas
em grandes tiragens
como pede o apetite dos países
e as canções
há de vulgar cinzas
E os sorrisos
frágeis vasos de asas partidas
tudo não foi sempre assim
não foi nem será

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

só o silêncio pode explicar


todos os dias eles caminham muito
usando é claro
seus incansáveis carros

todos os dias eles combatem a sede
com a pureza dos refrigerantes

eu li
mas aquilo não era um livro
era apenas um best-seller

nações
tendes loucura pra dar e sobrar
e passa cantando o rio zembeze
tão lindo
que só o silêncio pode explicar

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

seja feliz*


seja feliz mastigando seu chiclete
enquanto lê
o seu falso profeta preferido

por enquanto
os insetos ainda caminham ao sol
com seus agradecimentos vazios

seja feliz
com toda sinceridade de moscou em seu peito
com toda paz de são paulo em seu peito

ainda quero
antes de entrar na piscina
dizer mais uma coisa
toda a poesia dos intelectuais
foi rejeitada
pela intuição da minha irmã mais nova
_____
* Poema musicado por Luiz Carlos Salatiel

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

nos olhos verdes da palmeira*


Foto: Carlos Rafael

nos olhos verdes da palmeira
no benares e em todo rio
no amarelo da banana da bananeira
a esperança é uma singela certeza.
ande comigo
e o vento esteja contigo
e o ouro esteja em teu brilho
meu coração não me deixe
a ver estrelas
nem contando carneiros
enquanto a inocência
nos procura no jardim.
brasil o que será de mim sem ela
e sem deus o que será de ti?
ah não!
agente não está indo de ré.

____

Nota

Uma característica de Geraldo Urano era não dar títulos aos seus poemas. Alguns deles foram intitulados pelos seus parceiros quando viraram letras de músicas. Neste blog, para efeito de arquivamento e localização, tomei a liberdade de também nomeá-los, utilizando, para isso, um dos versos do poema, geralmente o primeiro.

(Carlos Rafael, administrador).

sábado, 23 de fevereiro de 2008

oh joey


com sua voz disse:
- tenham o necessário para a noite!
oh joey
ele nem notou que já era noite
nossos antepassados
seguiram por um caminho silencioso
deixando para nós o grito
procure na lembrança
a águia voou no último raio da tarde
ela esperou até o último
oh joey
ele nem notou que já era noite
se nossas mulheres não fizeram o mel
com o amanhecer virá o último sol

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

toda manhã pode ser inesquecível


toda manhã pode ser inesquecível
toda tarde
ah como você me ensinou
ah você é inesquecível
com a palavra se pode fazer muito
a palavra é muito
mas muito pouco para falar de você
ah você é inesquecível
meu olhar sobe para o céu
para ler nas estrelas por que nos encontramos
o porquê está escrito nas estrelas
toda noite pode ser inesquecível
ah! como você me ensinou!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

falando sério



falando sério:
amor, qual é o mistério?
cruzei as pernas
em teu sorriso percebi alguma coisa.

talvez uma caravela
marinheiro do mar estou em terra.
não, enterrado não!
apenas sobressaltado
essa longa espera.
falando sério:
amor, qual é o mistério?
a porta do poder não está no mar
nem na terra.
está simplesmente perto.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Depoimento de Elmano Rodrigues sobre Geraldo Urano

Elmano Rodrigues, caririense de Farias Brito, hoje residindo em Brasília, onde trabalha na Editora da UNB, publicou, no blog cariricult.com, o seguinte depoimento sobre Geraldo Urano:

O Edifício Balança Mais Não Cai tem muito a ver com a figura impressionista de Geraldo Urano. Foi lá, nas suas meditações diárias, cercado pela vizinhança frenética de centenas de prostitutas, sem no entanto se deixar contaminar pelo esporte difundido nas redondezas, que aproveitou talvez, os seus melhores momentos de reflexão e concentração em direção a outros mundos e idéias.
Guardo do Geraldo, as melhores recordações de uma figura pura e estudiosa, que se concentrava, olhava, calava e guardava, no seu infinito, as imagens mais loucas dos seus parceiros de convivência, que perambularam e se confinavam pelos confins do conturbado e maravilhoso Estado da Guanabara.

Elmano Rodrigues Pinheiro

O Belo e a Fera (Cantigas)

Por volta de 1988, foi lançado o livro O Belo e a Fera, Cantigas, de Geraldo Urano, que na época assinava Lima Batista. Geraldo, desde fevereiro de 1986, estava em tratamento por distúrbios psiquiátricos, mas continuava firme com a sua produção poética.
José Bezerra de Figueiredo Filho, poeta e contista mais conhecido por Deca, grande amigo de Geraldo Urano, tomou para si a responsabilidade de editar um novo livro do poeta. O resultado é o belíssimo, porém angustiado O Belo e a Fera, que bem reflete o sofrido momento de Geraldo Urano.
O jornal Folha de Piqui, de agosto de 1989, publicou um poema do livro e um comentário de Deca , os quais são reproduzidos abaixo:

O poema

a fera é inteligente
e de grande formosura
fascina os homens
levando-os ao absurdo
por ela
eles se matam
já não ligam para o que fazem
tornam-se cegos e surdos


O comentário

O poeta cratense Geraldo Urano, que agora assina Lima Batista, tem feito de sua poesia suave uma batalha pela liberdade de sentimentos e expressão. Suas palavras têm o costume de desconcertar as pessoas com suas idéias soltas, mas que obedecem uma lei natural, formando um encaixe harmonioso numa geometria livre.
Neste livro, O BELO E A FERA, cantigas, que não objetiva horrorizar ninguém, Geraldo arruma as idéias GEOGRAFICAMENTE sem fronteiras, que para o intelecto adestrado pode parecer simplórias. "A arte virou uma culinária de escravos, seu objetivo é satisfazer o pladras dos glutões. Com passos de encomenda marcha com o orgulho dos mortos". É o que diz o poeta num trecho de suas cantigas, e com sua flecha torta acerta o alvo pelo lado menos esperado.

José Bezerra de Figueiredo

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Urano in blue

Através do Blog do Crato, Dedê (Wilton Soares) enviou a seguinte mensagem:


"Fizemos um Blue pra Geraldo, eu e o Maestro Lifanco.

URANO IN BLUE
(Ao poeta Gerando Urano)

ESTOU LOUCO
NUM BAR NAS BAHAMAS
LERDO, SOLTO,
ENTRE TEMAS E TRAMAS
NO BALCÃO DESSE BAR
MEIA LUZ, VIAJAR,
BECOS, BIAS, BAGANAS.
ESCREVO COM OS DEDOS
MIL LETRAS, MIL LOMBRAS.
AMORES, ENREDOS,
PECADOS E CAMAS
DESEJEI LAPIDAR
VERSOS SÓ PRÁ TE DAR
VELHA VIDA MUNDANA
ESTOU PRESO
IMERSO NAS CHAMAS.
DECIFRO SEGREDOS,
ESPANTO MEUS DRAMAS.
NA FUMAÇA VOAR
FEITO PENA NO AR
MARESIAS, BAHAMAS"

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Confederação dos Cariris, um marco na cultura regional


I Encontro dos Grupos Artístico-Culturais do Sul do Ceará
Mauriti, 28 a 30 de setembro de 1984
Geraldo Urano estava lá, como atesta a reportagem acima, publicada na edição de estréia do jornal Folha do Sul, de 6 de novembro de 1984. A legenda da foto diz: Salatiel (E) e Geraldo Urano cantam descontraidos durante o Encontro.
Neste jornal e nesta edição, eu estreava a coluna “In Procênio”, que publicou a seguinte nota sobre o lançamento do livro Vaga-Lumes:

Geraldo Urano, o papa da invenção caririense anuncia, aos sete acordes, o seu primeiro livro “Vaga-Lumes”. Composto nas gráficas da IOCE, o livro é mais um título do selo “Nação Cariri/Livraria Gabriel”. Foi escrito em meados de 82 quando, segundo Urano, o escuro da noite, a caminho da Nascente, era iluminado pelo brilho dos singelos vagalumes. Daí o título profético, mais do que um simples sinal luminoso. Quem ainda não conhece a produção de Geraldo Urano, eis o momento oportuno. Assim que o livro sair (deverá pousar por aqui no início de novembro), não perca tempo, adquira-o e penetre no mundo irreverente e evolutivo da poesia de Geraldo (...).

Salute poeteiro!

enola gay




o namorado de enola gay
não sabe que rosa cheirou
e a saga das sete gueixas
não é sobre o que ele fez
no japão tem muita moça
canta a brisa em sertanês
das estrelas que falam inglês
nem todas sabem libertês

troque suas sessenta camisas
por uma de número oitenta


N.R.: poema escrito em setembro de 1982 e musicado por Luiz Carlos Salatiel.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Vaga-Lumes, o Livro


1984. A Nação Cariri Editora lança Vaga-Lumes - primeiro livro individual de Geraldo Urano. Um livro de poesias com muitas histórias. Pretendo, pois, sem pressa, aproveitando a infinidade deste blog, contar algumas delas.
Vaga-Lumes veio a lume num momento muito especial para todos nós que fazíamos parte da "nova tribo cariri". Editávamos o jornal Folha de Piqui. Promovíamos eventos culturais (o famigerado Salão de Outubro era um deles). Fazíamos poesia, música, teatro. Vivíamos leves e fagueiros, na plenitude de nossa juventude. Celebrávamos a arte e a vida.
Um dos nossos palcos era o Parque Municipal (hoje, Praça Alexandre Arraes). Bebíamos no Bar de Aderbal. Matávamos o tempo na Praça da Sé. Fazíamos excursões para o Sítio Fundão, onde nos deleitávamos com a sabedoria do mestre Seu Jefferson Alencar e nos refrescávamos em deliciosos banhos no Rio Batateiras.
O poeta e cineasta Francis Vale era uma companhia recorrente, a despeito de resisidir em Fortaleza. Geraldo Urano o nomeou "Embaixador do Cariri", tal a afinidade que ele tinha para com a rapaziada da região; afinidade que se transformava em generoso apoio quando precisávamos dos seus préstimos na capital.
Por isso, Francis Vale foi convidado por Geraldo para escrever uma das orelhas de Vaga-Lumes, a qual transcrevo abaixo. (Carlos Rafael)

Como estrelas, os vaga-lumes precisam da escuridão da noite para fazer destacar suas cintilações. Outro poeta já havia destacado essa similitude e também a distância entre os pequenos e próximos insetos luminosos e os grandes e distantes astros.
Os vaga-lumes de Geraldo Urano falam das constelações e de coisas mais próximas, numa integração cósmica impressionante para um poeta do Cariri que tem as antenas ligadas com os mais longínquos pontos do Universo.
Há que se destacar, sobretudo, suas "tiradas" bem humoradas e satíricas em relação aos diversos significados das palavras a aos absurdos observados no dia a dia deste pequeno planeta Terra. Assim como: "a via-láctea não pode ser enlatada pela nestlé nem as estrelas de hollywood iluminam o céu da américa"; ou "ser preto na àfrica do sul é tão incômodo como ser bacalhau nos mares da noruega". Com toda a simplicidade e a perspicácia herdada dos primeiros repentistas cariris, passando pela verve do grande Patativa.
É possível que esses "vaga-lumes", com seu pisca-pisca irregular mas freqüente, consigam iluminar as cabeças atentas daqueles que perderem (ou ganharem) algum tempo observando sua luz.

Entre no código!

francis vale

Poesia de Agora*


1.
ouço as canções
as embriagadas canções da califórnia...

não critiquem de graça
antes se escutem
e Deus nos guarde de janeiro a dezembro da radiação

menina
uma passeata é uma coisa quente
mas não odiamos ninguém

2.
a sabedoria
a meiga sabedoria das mulheres
sabedoria sem palavras...
que se tem ensinado tanto
essa eu canto
como cantaria uma canção
falando de gatos
tenho aprendido muito com os gatos e com o vento

passado
é milho e a galinha já comeu
o vento
aponta o caminho e lá dentro...
uma saudade imensa do futuro

3.
minha nave é meu caminho
e o espaço as estradas do texas
"isso se eu quisesse fazer poesia"

agora
o que eu quero é uma garota
de qualquer nome de qualquer terra de qualquer fé
de cor suiça ou africana ou outra qualquer que queira cantar
__ todo sangue é vermelho
como é vermelha a cruz da "cruz vermelha"
e que esteja vendo
a pomba do futuro desafiando os fuzis...

4.
uma coisa é sonhar
um dia viajar de boeing
outra coisa é pensar
no que vai pelo coração das baleias
em seu coração
sabe que no mundo deles
baleia quer dizer dinheiro
e são capazes de confundir
rodelas de cenoura com moedas de ouro

uma coisa é discutir
a aparência das conservas
outra coisa é sofrer com as vacas o pesadelo das latas

5.
desce a noite sorrindo
na cordilheira de arranha-céus
e nas profundezas
as constelações cintilam
pelo espaço
o vento da cidade
ventando no colorido das saias
amando cabelo e olhares
passou acedendo os meus lábios
e cantam os habitantes
secretamente
a canção da resistência

6.
a lua cheia vagueia no céu de oslo
e nos mares...
lá embaixo os bacalhaus amaldiçoam a noruega

meu bumerangue passeia dentro da noite européia
e vê as filas
para a falsa vitamina dos filmes
a paz arribou de entre os pinheiros
e choram carvalhos e girassóis

7.
falar é bom
não vou estragar complicando
entender é muito saudável
e eu não voi ficar pensando
falo de lugares
porque a lua não é exclusiva de minha cidade
mas como outubro que é de todo ano

8.
a lua
é como outubro como sua roupa atrapalha
se sua roupa soubesse o quanto você é formosa
pediria mil desculpas aos meus olhos

9.
como ia dizendo...
um cara vai por uma estrada
dirigindo sua velha ford guerra
esse cara ingênuo e boa pessoa
como todo mundo também tem seus amigos
ai deus
eles acreditam que todos são amigos
ele vê
o asfalto firme na sua frente
e pelas janelas da camioneta
a plantação crescendo
e diz para o asfalto
__ meu nego está tudo em ordem
ah! mas eu estou sabendo...
ai esse mundo maravilhoso
que nos quer ver mortos

* Poesia de Agora é um livro que reune a produção de dezesseis poetas cearenses, organizado por Carneiro Portela e publicado pela Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará, no ano de 1981. Geraldo Urano é um desses poetas e suas poesias sãos essas acima. Uma nota introdutória o define da seguinte maneira: "Poeta e compositor. Signo de Gêmeos. Nascido no Crato, Cariri-CE, na primeira metade dos anos cinqüenta. Iniciou a sua práxia poética na adolescência. Em 1972 abandonou os estudos 'oficiais' e viajou por vários estados do Brasil. Em 1973, regressou ao Cariri, onde participou do Grupo de Artes Por Exemplo. Participou de várias revistas e jornais literários. Em 1975 expõe objetos redimensionados na transcedência dos símbolos. Participou de 'shows' musicais e inicia uma série de parcerias famosas do Cariri. Revolucionou as tendências musicais da região. Escritor de textos filosóficos e iniciado na magia da natureza. Em 1979 participa do espetáculo 'Canto Cariri' (Teatro José de Alencar), por ocasião do 31º Congresso da SBPC. Tem desenvolvido seus trabalhos musicais com Luiz Carlos Salatiel e Pachelly Jamacaru. Publica alguns poemas na revista Seriará. Mora no Crato. É um dos fundadores do jornal Nação Cariri."

me procure em seu coração


me procure em seu coração
esse
é o meu endereço mais próximo
e onde
é mais certo você me encontrar
na sua cidade eu apenas nasci
e o mundo
tem muitas cidades
como o céu muitas estrelas
e como o vento estou sempre
em movimento
posso estar agora
no planalto central e logo mais
em detroit
por isso me procure em seu coração
onde é certo você me encontrar